Certo dia, recebi uma ligação. Confesso que um pouco estranha. Era uma pessoa que fazia equoterapia, mas agora estava querendo fazer aulas comigo! Ok sou ótima com os animais, mas tive dúvidas com relação a alguém que fazia equoterapia. Conversamos bastante e ficamos de nos falar para marcar uma aula de teste.
Logo após, recebi por e-mail um vídeo em que ela própria relata os benefícios ganhos através da equoterapia e tudo mais. Fiquei tentando entender o porquê ela estava me procurando.
Então marcamos a primeira aula! No dia em que a conheci, revelou-se uma pessoa muito feliz e simpática. Estava diante de mim uma falante deficiente auditiva, contando com alegria as superações conquistadas. Leva uma vida plena e independente. Busca desafios que lhe trazem vigor e alegria. O convívio com os cavalos é um de seus grandes e apaixonados desafios.
Bem, agora chegou onde eu começo a entrar em sua história de vida. Ela, amante da vida e dos cavalos, me trazia também um grande desafio: ajudá-la a superar e vencer ‘o medo de trotar’!!! E não parou por ai, pois a meta era ainda maior: em meio à natureza… ao passo… trotar… cavalgar… livre e totalmente desprovida ‘do aparelho auditivo’! Pasmem! Desafiou-me para, juntas, alcançarmos a sua atual grande meta: Reencontrar ‘o seu som in natura’, há muito tempo perdido!!
Comecei a observá-la para traçar um diagnóstico e montar minha avaliação para, finalmente, montar nosso programa de treinamento. Conversamos bastante antes de subir no cavalo e ela foi me contando sobre as antigas experiências equinas, quando até o dia em que espontaneamente, trotou! Aquele episódio surpreendente deixou-a tão feliz que, com todo mundo, dividiu sua imensa alegria! Mas nasceram ali os mais diferentes comentários, do tipo: ‘Cuidado! Você não escuta! Isso interfere no seu equilíbrio! Nossa, que perigo, logo você! Menina, isso não é ainda hora, você nem está pronta! Faça só seus exercícios na equoterapia que já está de bom tamanho!”. O efeito negativo desses comentários foi criar medo e bloqueio!
Vamos lá, então primeira aula. Em cima do cavalo, ela mudou totalmente. Dava para sentir o medo dela, ficou travada. Conversamos bastante para conseguir entender o motivo daquela reação. Juntas, fomos pontuando razões, motivos, reações físicas e emocionais que estavam ali em tão grande evidência.
Nas aulas de equoterapia que fazia, além do episódio do trote, as aulas tinham um planejamento adequado para cada tipo de necessidade e parece que isso “criou” nela um certo medo da independência, justamente o que ela mais buscava, sentir-se ela própria no comando das rédeas!
Percebi que ela tem uma necessidade enorme de sentir-se em liberdade e de poder experienciar um tempo que é só dela e do cavalo. Entendi perfeitamente a situação, mas “fiquei brava”. Afinal, minha filha de 4 anos é capaz de controlar um cavalo sozinha, porque ela não conseguiria? Parecia ser esse o meu desafio!
Quando ela desmontou, conversamos novamente. Expliquei que sua deficiência, a surdez, não alterava o contato com o cavalo e que ela era capaz de fazer tudo o que todos os outros fazem!
Mais algumas aulas e ela teve que parar. Pensei que nunca mais voltaria e que eu tinha fracassado em ajudá-la.
Virou o ano e adivinha quem reapareceu, ela mesma, minha aluna. Morrendo de saudades de montar, com a energia renovada e os medos de lado. Voltamos às aulas e comecei a treinar a integração dela com o cavalo, eles sendo um só. A deficiência dela começou a ser suprida pela audição do animal. Os dois começaram a se conectar e ela começou a relaxar e aproveitar.
Na verdade, ela conduz bem o cavalo, adora fazer isso. Então, elaboramos uma programação que inclui treino e passeio. Hoje, ela faz passeios fora da Hípica, já começou a trotar sozinha e eu sempre estive próxima, mas sem segurar o cavalo, sempre a deixei totalmente sozinha. Fizemos um “trato”: até o final deste ano, ela vai pular uma prova de 0,40 cm (hahaha).
Acho que nós, profissionais, familiares e amigos temos que olhar para as pessoas como elas são e não para as suas deficiências. Se pensarmos, todos temos alguma “deficiência” e não somos tratados diferentes por causa disso, então por que cometer tal injustiça com quem tem uma deficiência um pouco mais aguda? Tentarmos ajustar quem é diferente, ajuda a combater o “preconceito” e a tornar todos iguais. Basta modificar algumas técnicas, adequar outras, que as coisas dão certo!
Agora eu que tenho que segurar um pouco esta minha “aluna prodígio”, que toda vez que volta do passeio me conta uma historia diferente. Uma vez ficou enroscada com o capacete em uma arvore, agora a égua escorregou e quando ela viu estava com um ralado perto do olho (hahaha…) e pior que parece uma criança contando suas mega aventuras.
No fundo, a animação dela e as novidades que ela descobre no dia a dia com o cavalo, é o que me faz gostar tanto de dar aulas. Syrgeia, muito obrigada por me fazer descobrir o como é prazeroso dar aulas e acompanhar a evolução dos alunos. Você foi meu maior desafio e hoje adoro nossas aulas!